Como escrever um paper?

Diego Meille

Paper

Eu escrevo bastante sobre estudar no exterior e muitos dos meus leitores eventualmente chegam lá e acabam em algum curso em outro país, principalmente nos EUA e Europa. Muitos me escrevem assustados: “Meu Deus Diego! O que é um paper?! Como eu faço isso?”

A educação no Brasil deixa muito a desejar no que diz respeito a ensinar seus alunos a utilizar ferramentas amplamente usadas no mundo profissional e acadêmico que esses estudantes terão que enfrentar na vida.

O que acontece é que o aluno Brasileiro vai estudar nos EUA ou na Europa e quando ele ouve esses termos, ele entra em pânico. Seus colegas sabem o que fazer, mas ele não tem a menor ideia do que o professor está falando quando ele pede um “paper comparativo sobre o assunto A e o assunto B”. Como os alunos Americanos já estão familiarizados com esses formatos de produção acadêmica, não há qualquer explicação por parte do professor de como o aluno deve proceder.

Muitos cometem o erro fatal de pesquisar na internet e resumirem o assunto em um “trabalhinho” do tipo que costumavam fazer para a escola no Brasil.

O primeiro ponto que eu quero esclarecer sobre o que é um paper aqui é:

Um paper não é um resumo de um assunto. Não é um trabalho escolar que visa simplesmente apresentar e explicar um determinado tema (formato da grande maioria dos trabalhos escolares feitos no Brasil).

Outro ponto super, hiper importante:

Você nunca deve citar Wikipédia ou outros websites como fonte de informação. Melhor ainda, para escrever um paper, você não deve fazer pesquisa na internet (a não ser em sites e bancos de dados acadêmicos).

Compreendendo então que um paper não é um trabalho escolar de resumo de um assunto, vamos definir com mais clareza o que é então esse tal de paper:

– O paper é um artigo científico (por isso não pode usar fontes da web!).

– O paper é um posicionamento pessoal sobre um assunto científico, ou posicionamento sobre a comparação ou contrastação de dois assuntos.

– O objetivo do paper é divulgar e comentar resultados de pesquisa científica.

Para escrever um paper, você deve usar preferencialmente somente artigos científicos publicados em journals. Não é indicado usar livros como fonte, a não ser que o autor do livro seja um cientista reconhecido pela comunidade acadêmica e que o livro tenha se originado de uma pesquisa científica. Por exemplo, Inteligência Emocional do Daniel Goleman pode ser usado como fonte; Desenvolva Sua Inteligência Emocional e Tenha Sucesso na Vida de Maria Mercedes Beltrán, não. Por quê? O primeiro é a publicação dos resultados de uma pesquisa científica, ou segundo é uma obrinha rasa de psicologia pop e autoajuda. Não é uma fonte que carregue credibilidade.

É aí que o aluno Brasileiro tem um ataque de pânico completo! Artigo… hummm… científico?! O quê?

Muitos alunos Brasileiros, mesmo em nível de pós-graduação e mestrado, nunca viram um artigo científico na frente, nunca tocaram em um journal. Muitos nem sabem o que é um journal!

Journals são publicações acadêmicas, geralmente em formato de revistas especializadas, que contêm artigos com as mais recentes pesquisas e descobertas em uma área da ciência. Os dois journals mais conhecidos no mundo são o Nature e o Science. Ambos têm publicação semanal. Preferencialmente, a escola em que você está estudando deve lhe dar acesso online a um banco de dados com todos os journals do mundo (pelo menos os que têm algum destaque). Se você não tem esse tipo de acesso, você terá que usar a biblioteca física da sua instituição de ensino. Se você não tem acesso a uma biblioteca, nem a um arquivo digital, existem algumas opções como o Google Scholar (foco em trechos de livros) ou mesmo adquirir (pagar) um acesso a um acervo digital. Sem acesso a artigos científicos, você simplesmente não tem como escrever um paper!

O paper é justamente uma análise que você fará de uma pesquisa específica ou conjunto de pesquisas. Por exemplo, digamos que você tenha que escrever um paper sobre memória. Não é possível simplesmente dar uma de aluno de quinta série e fazer um resuminho sobre o assunto, do tipo: “memória é isso”, “memória é importante por isso”, etc. Um paper não é “isso”!

Em um paper, você precisa escolher seu foco (se não for dado). Por exemplo, eu que me interesse sobre memória tenho uma curiosidade sobre como memórias emocionais são codificadas no cérebro. Então esse seria o meu foco.

Agora, um texto sobre memórias emocionais ainda não é um paper! Eu precisaria descobrir o que há de controverso ou indefinido nessa área. Por exemplo, sempre se acreditou que o cerebelo não tem nada a ver com memórias emocionais, que essa é uma parte do cérebro puramente instintiva e ligada aos movimentos. De repente, começaram a sair papers em journals de destaque como Science e Nature questionando esse ponto de vista e revelando resultados de exames de imagem, como ressonância magnética, que mostram ativação do cerebelo durante codificação de experiências emocionais. Mas esses cientistas ainda não conseguiram provar que realmente o cerebelo tem qualquer coisa a ver com memórias emocionais, isso é apenas uma hipótese.

Tai um bom assunto pro meu paper! Eu poderia apresentar essa controvérsia, colocando os dois lados da moeda, citando artigos científicos que defendem os dois pontos e no final dizendo qual delas faz mais sentido para mim e por que, citando mais artigos que suportam a minha preferência.

Isso é um paper!

É muito importante, contudo, compreender que um paper não é uma “redação” sobre a minha opinião sobre algum assunto. Tudo o que eu afirmar em um paper precisa ser baseado em algo que foi dito por alguém que tem mais autoridade do que eu (um Ph.D.!). Simplesmente dar a minha opinião sem justificar da onde eu tirei aquilo está errado. Justificar que eu tirei “aquilo” de uma fonte sem credibilidade (um livro não científico, internet, Wikipédia, etc.) está errado. Resumir a opinião de outrem como se fosse a minha sem dar crédito é plágio! Plágio geralmente resulta em expulsão da instituição, então é preciso tomar muito cuidado com isso! Qualquer afirmação precisa ser justificada (da onde você tirou isso?!).

Tudo isso pode parecer complicado, mas não é. A parte mais complicada é encontrar e ler todas as fontes de informação. Artigos científicos podem ser densos, de difícil compreensão e se a pessoa não tem o inglês afiado, ela pode ter um pouco de dificuldade para absorver o conteúdo.

Mas por que eu acho que não é tão complicado?

Complicado pra mim é ter que tirar algo da minha cabeça por pura criatividade! Tem gente que é o contrário, mas eu acho muito difícil ter que produzir um texto da minha cabeça, sem me basear em nada. Blogs não contam porque eu estou aqui compartilhando a minha opinião, mas eu não seria capaz de escrever, por exemplo, poesia ou ficção.

Um paper é fácil no sentido de que tudo o que você está escrevendo é coisa que outras pessoas disseram, é questão apenas de apresentar, explicar e citar quem foi que disse. Em alguns trechos você estará reescrevendo com outras palavras uma definição ou explicação e citando (Fulano, 1998). Em outros, você estará citando uma frase completa, colocando-a entre parênteses: Fulano, 1998 disse: “ele disse isso”. O formato “Fulano, 1998” depende de qual estilo que está sendo requerido e se refere à referência bibliográfica. Se alguém lendo seu texto quiser saber mais sobre a pesquisa do “Fulano”, ela vai até a página de referências e vai ver qual trabalho é o “Fulano, 1998”.

É muito importante também compreender as diferenças entre referências bibliográficas e bibliografia. Referências bibliográficas são as fontes diretamente citadas no texto (Fulano, 1998). Bibliografia são fontes que foram consultadas, mas não foram incluídas no paper. Por exemplo, você leu “Ciclano, 2000”, mas acabou não citando o trabalho dele no seu paper. Não se deve incluir bibliografia em papers.

ESTRUTURA DE UM PAPER

DEFINIÇÃO DO ASSUNTO

Geralmente inicia-se um paper definindo o assunto que será abordado. O objetivo é situar o leitor leigo. Por exemplo, no caso do meu artigo sobre memória emocional, eu simplesmente definiria o que é “memória emocional”, não se esquecendo de mencionar a fonte! Vamos ver como ficaria:

Nossas memórias emocionais constituem o cerne da nossa identidade e personalidade. Memórias emocionais são informações codificadas pela amígdala no cérebro, recebendo uma carga emocional associada ao evento, positiva ou negativa (LaBar, 2006).

O que eu fiz aqui?

Eu fundamentei essa definição no trabalho de Kevin S LaBar, publicado na Nature Reviews Neuroscience em Janeiro de 2006. Mas eu não copiei simplesmente o que ele disse, nem reescrevi a mesma coisa com palavras diferentes. Eu compactei a definição dele nessas duas linhas sem copiar exatamente o que ele disse. Eu não poderia simplesmente ter criado uma definição da minha cabeça, nem poderia ter me baseado na de Kevin sem ter citado ele como referência.

Ainda na introdução, dependendo do tipo do paper, é útil enfatizar a relevância do assunto, sua importância teórica ou prática e as limitações ainda existentes para a pesquisa.

ESCOPO E TESE

O próximo passo é apresentar o escopo do paper, ou seja, sobre o que é o seu paper e ainda definir qual a hipótese que você está tentando provar ou refutar, se for o caso. Geralmente não há divisão entre a introdução essa parte.

Há muitas coisas para serem ditas sobre memórias emocionais. Nesse trecho, o meu objetivo é informar ao leitor qual o escopo da minha pesquisa, que é investigar a controvérsia do papel do cerebelo na codificação e rememoração de memórias emocionais. Eu explicaria que existe um ponto de vista amplamente aceito que exclui o cerebelo dos processos de memória emocional, citando pelo menos um trabalho que afirme isso. Logo após, eu explicaria que existe uma controvérsia sobre esse assunto, pois novas pesquisas estão demonstrando que pode haver ativação do cerebelo relacionada às memórias emocionais, mais uma vez, citando que “foi que disse isso”.

Ao apresentar os detalhes do assunto, eu preciso introduzir as pesquisas que eu consultei para redigir o meu paper e indicar, se necessário, quais as metodologias científicas que foram utilizadas nas minhas pesquisas ou nos resultados que eu consultei. Nesse caso do meu exemplo, não seria crucial citar a metodologia aqui, mas se eu quisesse eu poderia explicar que os resultados controversos estão saindo de pesquisas realizadas com fRMI (ressonância magnética funcional).

No final dessa parte, dependendo do tipo de paper, você pode redigir a sua tese/hipótese, que resume o objetivo do paper em uma afirmação ou questionamento que você estará tentando provar ou refutar ao longo do seu paper. Nesse exemplo, seria algo como:

Há fortes indícios de que o cerebelo participa, mesmo que brevemente, do processo de codificação de memórias emocionais.

Só isso. A tese é geralmente uma afirmação ou um questionamento, porém breve. É papel do resto do paper provar que isso realmente é verdade, responder à pergunta, caso a tese seja um questionamento ou refutar a afirmação.

DESENVOLVIMENTO

Os próximos parágrafos, que dependendo da complexidade do paper pode ser divididos em itens (headers), visam desenvolver os seus “achados” sobre o assunto. Essa parte pode ser organizada da forma como você quiser, se não houver alguma determinação formal sobre como o paper deve ser estruturado.

Por exemplo, no meu caso aqui, eu poderia começar apresentando as pesquisas que alegam que o cerebelo não participa da codificação de memórias emocionais. Depois eu apresentaria as pesquisas que contradizem essa perspectiva. Sempre baseando minhas afirmações em pesquisas que eu consultei e citando-as no formato exigido pela instituição*.

CONCLUSÃO

No final do paper, o faria um resumo bem conciso do que foi que eu apresentei e passaria então para o fechamento, concluindo o assunto. Eu concordo que o cerebelo não está relacionado à codificação de memórias emocionais? Não concordo? Se eu estou baseando o meu posicionamento em uma opinião contrária ao que é geralmente aceito, nesse caso, se a minha opinião fosse a favor dos cientistas que encontraram relação entre o cerebelo e as memórias emocionais, eu teria que justificar muito bem por que penso assim. De preferência, eu encontraria ainda outras referências que corroboram com essa minha opinião e as citaria para reforçar o meu posicionamento.

É preciso ter muito cuidado nessa parte da conclusão para não cair na vala comum do “achismo”. “Eu concordo com o autor X porque eu acho que isso faz sentido”… O que você acha (mesmo que você use outro verbo) não importa! Sua opinião deve sempre estar baseada em algum tipo de evidência, não em sua preferência pessoal.

O QUE NÃO FAZER EM UM PAPER?

– Não use gírias, nem expressões coloquiais. A linguagem deve ser culta e acadêmica.

– Não use generalismos. Por exemplo: “a alimentação é muito importante para a saúde do corpo”. Em geral, evite dizer que algo é “muito importante”! Ao falar sobre a importância de algo, seja específico e se concentre na relevância daquilo dentro de um determinado tema, se isso não for óbvio (como a alimentação para a saúde do corpo!).

– Qualquer afirmação precisa ser justificada com citação, “de onde você tirou isso”?

– Não redija afirmações em forma de questionamento se você não vai endereçar a pergunta no paper. Exemplo: será que nossas memórias emocionais podem estar ligadas aos nossos maiores medos? Eu não poderia colocar essa “pergunta” no meu paper sobre o papel do cerebelo na formação de memórias emocionais, pois o meu objetivo não é discutir a ligação entre os medos e as memórias, então ela não seria respondida no decorrer do meu paper.

– Muito cuidado ao usar livros como fontes. Se o autor não for um acadêmico, cuidado redobrado. É claro que isso não se aplica a papers literários ou cujo livro “não científico” é o objetivo da pesquisa ou adiciona fonte muito relevante ao paper.

– Não indique “bibliografia” no paper, ou seja, os livros e artigos que você apenas consultou ao estudar o tema, mas não usou diretamente em citações ao longo do paper (essas são as “referências bibliográficas”).

*existem inúmeros formatos de citação acadêmica: APA, MLA, Chicago, New York Times, Wall Street Journal, etc. Se você não sabe qual o formato a ser utilizado, você deve se informar, pois entregar um paper com a formatação incorreta pode resultar em uma nota mais baixa ou até mesmo em recusa do paper por professores mais zelosos.

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