Como treinar seu cérebro para superar o perfeccionismo

Franciane Ulaf

Perfeccionismo

O perfeccionismo não é nato, é aprendido. Isso significa que podemos “desaprendê-lo” também. O medo do fracasso frequentemente afeta nossa performance. Por esse motivo, pessoas altamente bem sucedidas costumam não ser muito perfeccionistas. Pense em todas as decisões rápidas que pessoas que carregam alta responsabilidade nas costas precisam fazer a todo momento. Elas não podem entrar em paranoia com o medo de que cada decisão possa ser um possível erro, ou que o resultado possa ser menos do que perfeito.

Se cirurgiões esperassem até que se sentissem absolutamente certos de que cada procedimento sairá perfeito, eles provavelmente não salvariam muitas vidas. Se cada empreendedor esperasse até que seu produto estivesse perfeito antes de lançá-lo no mercado, nós teríamos uma variedade muito menos de produtos em todas as indústrias. Se escritores tivessem a expectativa de que ter obras perfeitas antes de publicá-las, nós não teríamos muitos livros para ler. O fato é que o mundo é feito de “coisas” imperfeitas. Pessoas imperfeitas, produtos imperfeitos, livros imperfeitos, relacionamentos imperfeitos, serviços imperfeitos, e assim por diante. Ao nos preocuparmos com a perfeição, nós pisamos no freio da própria vida, nos recusando a viver uma vida que é invariavelmente imperfeita, apesar de nossas preocupações tolas e sem sentido.

O medo da imperfeição tem o poder de nos congelar. Tudo começa com a expectativa, mesmo que inconsciente, de que haverá uma consequência negativa, seja vergonha, seja alguma perda, se o resultado que apresentamos não for absolutamente perfeito. Tudo parte da “historinha” que construímos em nossa cabeça sobre como os outros nos veem, como eles “devem” nos ver preferencialmente, e o que aconteceria se a realidade não bater com essa versão fantasiosa que imaginamos.

Certa vez, um colega me confessou que não dava palestras pois ele era tímido e gaguejava de vez em quando. Seu argumento era que “o público não gosta de gente tímida, eles gostam de ver um palestrante animado, extrovertido, fazendo piada”. Como ele não “cabia” dentro dessa definição, ele simplesmente assumia que não era capaz de dar uma palestra, pois não era capaz de atingir a perfeição que ele “achava” que o público exigia de um palestrante. Ele ignorava o fato de que falar em público é um aprendizado e que muitos palestrantes “animados” começaram tímidos e “sem graça”. Ele também ignorava que nem todo mundo mantém expectativa de que o palestrante seja uma pessoa extrovertida. Muitos perfeccionistas partem do mesmo princípio: eles criam uma realidade fantasiosa e acham que se eles não se equipararem àquela fantasia, eles simplesmente não podem fazer nada, pois serão discriminados, vaiados, rejeitados.

O perfeccionismo está muito ligado à preocupação com a opinião alheia. Antes de tudo, vamos delinear uma divisão clara aqui entre ser cuidadoso e detalhista e ser perfeccionista. Ambas as condições são distintas. O contrário de perfeccionismo não é ser leviano, relaxado, e descuidado. Muitas pessoas são atenciosas, se preocupam com a qualidade e precisão do que fazem sem a neurose do perfeccionismo. A preocupação com a perfeição em si gera ansiedade. Essa é a marca registrada do perfeccionismo. Se você é uma pessoa cuidadosa, caprichosa, e detalhista, mas não entra em parafuso pensando em como os outros vão ver seu trabalho, o que vão pensar do que você está fazendo, se você não se sente ansioso com a recepção da sua performance, você não é perfeccionista.

É interessante que o perfeccionismo é visto por muita gente como qualidade, é até um clichê em entrevistas de emprego. Um “defeito” que tem mais cara de qualidade do que de problema. Contudo, o perfeccionismo “de verdade” realmente é um problema! O perfeccionista não está puxando os próprios limites de forma saudável, com intenção de crescimento, de desafio, ele faz tudo com segundas intenções: ser perfeito para os outros. É claro que essa intenção é disfarçada por trás de uma série de explicações lógicas. O perfeccionista jamais admite que está preocupado com a opinião alheia, aliás, ninguém admite que se preocupa com o que os outros pensam, mas todo mundo faz isso! A diferença é o grau de neurose. Podemos nos preocupar de forma saudável com a forma como o mundo nos vê, ou podemos ficar paranoicos com a possibilidade que alguém possa “achar” que somos qualquer coisa além de perfeitos.

Como nasce o perfeccionismo?

O professor do MIT Bob Pozen sempre começa seus cursos perguntando aos alunos se eles se consideram perfeccionistas. Geralmente, a metade levanta a mão. Quando ele pergunta como eles desenvolveram essa característica, muitos apontam pais extremamente exigentes, bullying na fase de crescimento, e escola “puxada”. Quando crescemos achando que nós não somos perfeitos e que precisamos fazer um esforço enorme para não decepcionar aqueles que amamos, a semente do perfeccionismo brota e começa a crescer. Bullying, particularmente, tem um impacto fenomenal nesse processo. Faz parte do desenvolvimento psicológico humano fazer parte de um grupo e sentir-se integrado a ele, sendo aceito e admirado por nossos iguais. Pais e professores, por mais importantes que sejam nesse processo, não são “iguais”. Iguais são os colegas e irmãos de idade próxima à nossa. Quando somos frequentemente rejeitados, discriminados, quando nossas dificuldades e fraquezas são expostas e enfatizadas, como ocorre durante o bullying, aprendemos que não somos iguais, não fazemos parte do grupo. Em um cérebro em desenvolvimento, o poder da discriminação é incrível. A lição para o jovem é clara: ele não é igual aos outros, ele é imperfeito. Para ser igual, para ser aceito e não mais sofrer discriminação, ele precisa ser perfeito. Em alguns casos, o pais são os culpados. Pressão excessiva em cima das crianças para que tenham desempenho perfeito em tudo acaba gerando a sensação de que há algo de errado, de que para agradar os pais, os filhos precisam fazer algo diferente do que naturalmente fariam, precisam se preocupar com um nível artificial de qualidade, só assim recebem “amor”.

Como o perfeccionismo afeta o dia-a-dia?

Um grande problema que afeta os perfeccionistas é que eles não são capazes de distinguir entre atividades que demandam uma atenção maior e outras que permitem um grau maior de “imperfeição”. Elas então perdem muito tempo se dedicando em vão a atividades sem importância, tendo fazer tudo perfeito, sem qualquer necessidade. O resultado direto disso é falta de tempo. Quando muito tempo é dedicado a atividades irrelevantes, sobra pouca disponibilidade para fazer o que realmente importa. Isso gera um stress ainda maior e uma percepção de que por mais que a pessoa se esforce ela nunca consegue ser perfeita.
Quando nos sentimos exaustos com a carga de trabalho e responsabilidades, com o agravante da ansiedade de fazer tudo perfeito, acabamos presos em um círculo vicioso de pensamentos, impulsos, e comportamentos nada saudáveis.

Como superar o perfeccionismo?

Não rotule a si mesmo

Muitas pessoas gostam de rotular a si mesmas como perfeccionistas como se isso fosse bom, motivo de orgulho. Isso acaba gerando um efeito de profecia autorrealizável. “Se eu sou perfeccionista, se essa é a historinha que eu gosto de contar sobre mim mesma, então eu vou dedicar muito tempo para fazer tudo perfeitinho”. Isso, é claro, é imaturo e uma grande armadilha. Ao invés de se rotular como perfeccionista, pode ser mais útil mudar a linguagem que usamos para falar sobre nós mesmos, até mesmo dentro da nossa própria cabeça. Podemos dizer: “Eu tenho uma tendência para buscar a perfeição, então vou me dar permissão para ser menos perfeita e ver o que acontece”. Quando seguimos em frente e “vemos o que acontece” na prática, concluímos que continuamos bem e que nossos resultados imperfeitos foram bons o suficiente.

Não suponha que os outros esperam um certo resultado

Talvez as pessoas esperem resultados completamente diferentes do que você imagina. Talvez diferentes pessoas esperem coisas diferentes. Se prendem no que achamos que os outros esperam de nós é uma das maiores armadilhas que possamos cair. Uma das forças mais sólidas de pessoas autoconfiantes é a ausência desse tipo de expectativa. Quando você não se importa com o que os outros pensam de você, você se sente livre para se manifestar da forma como bem entender. Há uma liberdade emocional incrível que obtemos ao não nos preocuparmos com a reação alheia. Até certo ponto, essa preocupação sempre existe em algum nível. Faz parte da boa convivência social. O problema é entrar em paranoia pensando em ser perfeito para os outros, como já discutimos. Isso sim precisa ser trabalhado. Em alguns casos, terapia é necessária para que a pessoa possa trabalhar esse aspecto profundamente com o suporte de um professional. Em outros, o que funciona melhor é se forçar a expandir a zona de conforto, passando por situações desconfortáveis, aceitando resultados claramente imperfeitos até que o “encanto” do perfeccionismo se desfaça. Aprendemos muito com nossas próprias experiências. Quando novas experiências nos provam que podemos nos dar ao luxo de sermos imperfeitos, começamos de deixar de lado a ansiedade da perfeição naturalmente.

Reconheça que o perfeccionismo limita o sucesso

Um dos maiores erros dos perfeccionistas é acreditar que é preciso ser perfeito para ser bem sucedido, que o caminho para o sucesso é fazer tudo de forma impecável e não cometer erros. Algumas pessoas idolatram certas pessoas de destaque e acham que elas são perfeitas, logo, para emular seu sucesso, elas não podem correr o risco de fazer qualquer coisa “errada”.

Em muitos casos, há uma preocupação excessiva com alguns aspectos pontuais que a pessoa acredita que a levará ao sucesso. Isso faz com que ela negligencie diversas outras partes da vida, buscando uma perfeição irreal por um lado, e causando “imperfeição” crassa do outro.

Outra consequência do perfeccionismo que impede o sucesso é que o perfeccionista nunca está pronto. Como nada é perfeito, ele nunca chega em um ponto em que se sente confortável para mostrar seu trabalho, ele está sempre “ainda se preparando”, “ainda aparando as arestas”. Isso retarda muito suas ações e velocidade, muitas vezes, é crucial para o sucesso.

A procrastinação é a marca registrada do perfeccionista. Sempre há mais alguma coisa a ser feita, aprendida, ou aperfeiçoada antes que ele tenha coragem de se expor. Uma das melhores formas de lidar com a procrastinação é definir datas limite. A escola é tão eficiente porque nos coloca dentro de uma agenda. Há datas para entregar trabalhos, há datas para fazer provas. Sem a estrutura da escola, muita gente não saberia nem ler e escrever! Se tivéssemos que aprender tudo o que aprendemos na escola de forma autodidata, viveríamos em um mundo de ignorantes! Podemos usar o mesmo mecanismo para “nos forçar” a sermos produtivos, mesmo que lutemos contra essas determinações de datas e horários inicialmente, o que é natural. Nós seres humanos gostamos de ser livres, não gostamos de delimitações, regras, estrutura. Contudo, essa postura “livre” somente enfatiza nossas fraquezas, nossas tendências hedonistas naturais de só sentir prazer e fazer o que gostamos. O caminho para o sucesso está cheio de atividades chatas e difíceis.

Lembre-se: o perfeccionismo está dentro da sua cabeça, não é algo real. O mundo é imperfeito, as pessoas são imperfeitas. Além disso, é um grande erro acreditar que os outros esperam perfeição de nós. Resultados imperfeitos, na maioria das vezes, nem sequer são notados. É claro que descuido, negligência, e trabalhos claramente mal feitos são outro assunto completamente. Mantenha em mente que ausência de perfeição não é relaxo, é ausência de ansiedade relacionada à recepção alheia.

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5 comentários em “Como treinar seu cérebro para superar o perfeccionismo”

  1. Gostei muito da matéria. Entendo que há uma área em que os resultados estão além do consciente ou do subsconsciente, onde não temos acesso e que limitam nossas ações a partir da negatividade.. E é lidando com esta realidade que podemos obter mais equilíbrio para agir com sabedoria e positividade.

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  2. Adorei o ponto de vista: ” O contrário de perfeccionismo não é ser leviano, relaxado, e descuidado”… O que é na maioria das vezes confundido…

    Gratidão pelo aprendizado!

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  3. Muito obrigado pela matéria…
    Identifiquei-me nela e pude aprender o quão errado eu estava por tentar fazer as coisas perfeitas só para agradar aos outros.

    Atentamente.

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  4. Nossa me vi neste texto! Eu nunca acho que estou pronta, sempre início algo e não concluo, por não me achar suficiente para aquilo. É muito ruim ser assim, ser perfeccionista não é qualidade como alguns acham e sim um defeito, uma enorme frustração constante. Muito obrigada pelas orientações.

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