Viver é decidir: por que todas as escolhas importam?

Franciane Ulaf

Viver é decidir

Casamento, filhos, faculdade, carreira, grandes mudanças, compra de casa, carro… tendemos a entender a tomada de decisão como algo que ocorre nesses momentos de encruzilhada, escolhas importantes que definem rumos ou comprometem nossos recursos. Vemos nossas vidas em termos de passado e futuro, enquanto compreendemos o presente como algo excepcional, um lugar de onde podemos analisar o que já ocorreu e sonhar com o que vai acontecer. O presente é onde trapaceamos com nossas dietas (eu vou comer esse pedaço de bolo agora, mas amanhã volto a fazer regime), perdemos tempo (eu vou assistir só mais um episódio, e aí então vou fazer o que preciso), somos preguiçosos (vou ficar só mais um pouquinho na cama, amanhã acordo cedo e vou pra academia). Amanhã nós resolveremos todos os nossos problemas, mas hoje só queremos fazer o que dá vontade.

Quando falamos em definição de metas, planejamento, decisões, a maioria das pessoas pensa nessas coisas importantes e grandes da vida. Nós sentamos e definimos metas ousadas, fazemos planejamentos, planilhas que organizam todas as coisas maravilhosas que vamos conquistar… no futuro. Aí vamos dormir e nosso cérebro resseta. Nós acordamos no dia seguinte e aqueles planos parecem tão distantes. Aqui e agora temos outras coisas para fazer. A vida diária parece tão sem importância para ser associada a planos tão incríveis. Nós então entramos em piloto automático e nos convencemos de que todas essas coisas que fazemos no cotidiano não importam. Quando tivermos tempo vamos cuidar de todas as coisas que planejamos fazer e construir nosso futuro, mas não agora, agora estamos ocupados.

Isso, é claro, é uma grande ilusão. Todos os dias fazemos escolhas, de fato, fazemos escolhas a todo o momento. Desde a hora que decidimos sair da cama, ao que comemos, e até como escolhemos nos sentir com relação a nossas próprias vidas, como reagimos ao mundo ao nosso redor. Algumas decisões não impactam mais do que alguns momentos do nosso dia, como a escolha da cor da roupa que vamos usar (se bem que até mesmo isso, em algumas circunstâncias, pode ser estratégico!), enquanto outras parecem inofensivas, mas têm um impacto enorme em nosso futuro, como comer inadequadamente, fumar, desperdiçar horas na mídia social, ou assistir TV demais.

Nós todos sabemos disso, é claro. É quase um clichê dizer que fazemos escolhas o tempo todo. Saber alguma coisa, contudo, é diferente de agir em cima dessa informação. Muito do que lemos sobre desenvolvimento pessoal não é novo, mas ainda assim, podemos ter dificuldades para colocar esses conhecimentos em prática. Escolher de forma sábia e se tornar autoconsciente do processo decisório diário é um dos maiores desafios que podemos enfrentar, e por diversas razões.

Como um efeito borboleta, cada decisãozinha importa, até mesmo o que pensamos e sentimos. Nossas ações, pensamentos, e sentimentos ecoam por nossas vidas. Se analisarmos casos de sucesso, muito do que veremos como razão para produtividade extrema e bons resultados são hábitos. Hábitos são coisas que fazemos automaticamente, todo dia. A diferença entre uma pessoa bem sucedida e outra que patina no molhado geralmente pode ser encontrada em como cada uma age no dia-a-dia. Enquanto o bem sucedido está cultivando hábitos de comportamento e pensamento positivos e produtivos, os outros podem ser encontrados perdendo tempo com bobeiras, fazendo coisas que não importam, tudo enquanto reclamam da vida e se sentem como vítimas das circunstâncias. Essas pessoas têm muitas desculpas para justificar seu comportamento. Elas acreditam que realmente precisam fazer todas as coisas inúteis que fazem e que quando tiverem tempo irão fazer o que importa. Na maioria dos casos, isso é ilusão fruto da desorganização, falta de visão, e de priorização, e essas atividades inadiáveis poderiam ser simplesmente eliminadas sem dó nem piedade. Pessoas bem sucedidas geralmente possuem um comportamento curto e grosso para com atividades, elas simplesmente fazem o que precisa ser feito, ponto final. É importante notar que nossas ações são simples reflexo da forma como pensamos (não exatamente do que pensamos, mas como raciocinamos). Essas pessoas entendem que resultados são obtidos com ação consistente e que insegurança, autossabotagem, e outros mecanismos de defesa apenas conduzem à estagnação. Elas fazem o que precisa ser feito, elas não trapaceiam, elas não têm dezenas de desculpas para justificar a falta de ação quando não estão com vontade de fazer o que precisam fazer. Isso revela um triunfo sobre os próprios ânimos. Na prática, isso significa não esperar pela motivação, fazer o que precisa ser feito, mesmo que seja a coisa mais chata, penosa, e difícil do mundo. Mesmo sem um pingo de vontade.

Isso nos leva a precisar avaliar um dos principais motivos para toda essa titubeação diária: o hedonismo. Hedonismo é a busca pelo prazer. Muitos associam o termo apenas ao lazer, mas é muito mais do que isso. Hedonismo é um desvio de priorização, quando as sensações são mais valorizadas do que o pragmatismo do dever. Você sabe que precisa fazer algo muito importante, mas você não está com vontade. Você prefere assistir alguns episódios da sua série preferida. Você está sendo hedonista. Nem todo lazer é hedonista. É importante compreender isso para não ficar sentindo culpa toda vez que está descansando, assistindo TV, jogando seus jogos preferidos, ou simplesmente passando o tempo. Precisamos desses intervalos, precisamos esvaziar a cabeça, nos entreter, curtir momentos de puro prazer. O problema é quando teimosamente escolhemos fazer algo hedonista numa tentativa de fugir de obrigações. Lutar contra essa tendência não é fácil. Não só é muito humano procurar o prazer, como nós vivemos em uma sociedade que valoriza demais o entretenimento e o lazer (precisamos estar nos divertindo o tempo todo!). A única coisa que pode salvá-lo de suas tendências naturais, por assim dizer, é seu modo de pensar. Se você tem esse perfil de fazer o que precisa ser feito, custe o que custar, independente de como você se sente, você criará hábitos produtivos que o levarão a consistentemente fazer escolhas que o propulsarão para frente.

Mas o hedonismo não é a única razão pela qual tomamos más decisões no dia-a-dia. Um outro ponto muito importante fica por conta das peças que o nosso próprio cérebro nos prega. Não valorizamos o presente. O passado é onde estão nossas memórias. Goste ou não delas, o passado ficou para trás. O futuro é onde vamos conquistar o mundo, faremos tudo o que for necessário (ou assim gostamos de acreditar!), mas não chegamos lá ainda. O aqui e agora parece um limbo. Nós estamos apenas esperando que nossos destinos se desenrolem. Não sentimos como se as decisões que tomamos no presente tivessem qualquer impacto em nosso futuro. O presente não vale. Quando chegarmos no futuro, aí sim, tomaremos jeito! Essa percepção sorrateira é que permite com que façamos coisas no presente que sabemos ser negativas ou improdutivas. Enquanto acharmos que o “presente não vale” e que amanhã então faremos as coisas certas, estaremos nos enganando. Amanhã será um novo presente e faremos exatamente a mesma coisa.

Outro motivo para a desvalorização da tomada de decisão no cotidiano é nossa típica falta de atenção. A maioria das pessoas vive em um estado semiautomático. Fazemos coisas sem pensar, sem avaliar como aqueles hábitos estão construindo nosso futuro. Mesmo sem sofrer de déficit de atenção, ainda assim somos desatentos, desligados, não conseguimos manter o foco concentrado no presente o tempo todo. Enquanto nossas mentes vagueiam por passado, futuro, ruminações, e fantasias, nossos corpos ficam automatizadamente agindo no mundo real. A maioria das decisões que tomamos diariamente não merecem um segunda consideração, já que estamos ocupados demais revisando conversas em nossas cabeças ou imaginando coisas que nunca vamos fazer.

Como você pode ver, estar consciente de suas decisões constantes não é algo simples, mas ao mesmo tempo não é impossível. O primeiro passo é se dar conta de que decisão não é algo que ocorre somente nas encruzilhadas da vida, mas a todo momento. É como você usa seu tempo, como você escolhe responder aos estímulos ao seu redor, como você opta por se sentir. Sua vida inteira é um eterno processo decisório. Os resultados que você obtém e a qualidade que você espera dependem muito da maturidade de suas escolhas. Onde suas decisões estão o levando?

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3 comentários em “Viver é decidir: por que todas as escolhas importam?”

  1. Matéria sensacional !!! Nunca tinha pensado por estes “ângulos”, essas pequenas ‘peças do nosso cérebro’ contumam prejudicar demais nosso processo decisório.

    Gratidão !

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  2. Fran, preciso te agradecer do fundo do coração. Esse é um daqueles textos que irei imprimir e reler sempre. Sempre me senti dessa forma, e não entendia até pouco tempo atrás porque eu não era “normal” e porque não conseguia fazer as coisas da forma que as outras pessoas faziam.
    Além de sempre ler sobre desenvolvimento pessoal, planejamento, metas para vida e etc, nunca encontrei ninguém que conseguisse explicar isso da forma que fez neste artigo. São sempre respostas vagas, sempre conteúdo, que te tratam como conseguisse com “um pouco de força de vontade” reverter o quadro. Aqui entendo que o problema é bem mais profundo.
    Agradeço de coração por seus escritos! Acompanho-a há um tempo, e adoro ler o que você tem para dizer. Queria que pudesse falar mais sobre esse assunto, pois apesar de ser algo batido, “ninguém estava ouvindo quando foi dito, portanto, é preciso dizer novamente”.

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