A maior parte das pessoas associa ou define seu valor pelo que elas “acham” que valem para os outros. Elas se definem pelo seu trabalho e posição social, mas a questão é que todo mundo é “descartável”. Você se acha muito importante no seu trabalho? Você acha que seu esposo(a) não poderia viver sem você? Caia na real! O funcionário mais importante pode ser demitido e substituído por qualquer outra pessoa que do ponto de vista do empregador possa trazer mais retorno financeiro para a empresa. O marido ou a esposa mais fiel e adorável pode ser substituído por outro(a) que traga a promessa de maior felicidade. O mundo não precisa de você!
Todo mundo é substituível. Quando você coloca seu valor no que você representa para alguém ou para uma empresa, sociedade, ou grupo, sua autoestima e autoconfiança ficam reféns do que estas pessoas pensam ou esperam de você – ou que você acha que elas esperam de você. Sua vida se torna uma constante luta para provar para estas pessoas que você é mesmo insubstituível. Isso o leva a buscar por aprovação constantemente, pois você precisa de comprovação de que sua “teoria” está certa o tempo todo, de que realmente, essas pessoas, ou grupos não podem sobreviver sem você. Na prática, você sacrifica a sua autenticidade, seu verdadeiro eu, suas vontades, suas preferências em nome do que você “acha” que os outros esperam de você, numa tentativa de agradá-los e evitar ser eventualmente “substituído”.
Quando por algum motivo (demissão, divórcio, rejeição) você percebe que esteve errado o tempo todo, que no fundo você não era indispensável para ninguém, o pouco de autoestima que você tinha se despedaça, você se desfaz em mil pedaços, o chão sai de baixo de seus pés. Você colocou uma grande quantidade de tempo e esforços agradando e atendendo às expectativas daqueles que não se importavam com você. O sentimento de rejeição é um dos piores sentimentos que um ser humano pode sentir. A culpa foi sua, no entanto, não de quem lhe rejeitou. O problema foi ter criado expectativas de que o outro lhe “devia” algum tipo de consideração em troca da sua dedicação.
Não é possível ser autêntico e ter um alto grau de autoestima e autoconfiança se você está amarrado à ideia de que precisa atender às expectativas de alguém, seja uma pessoa ou um grupo, seja na vida pessoal ou profissional. Por quê? Porque você deixará num segundo de fazer o que quer, o que sente vontade, para fazer o que o outro espera que você faça, com medo da tão temida rejeição, ou esperando algum tipo de recompensa. Na prática, você se vende por aprovação. Você boicota os próprios desejos e necessidades em prol do que o outro deseja. Quando o outro lhe rejeita, você perde o chão. Mas como assim? Então quer dizer que eu fiz tudo o que fiz à toa? Observe bem o caráter de “compra e venda”: você atende às expectativas do outro, o outro faz algo que você não gosta, você se acha no direito de cobrar a aprovação, pois você está pagando por ela com seu próprio esforço. Não é uma boa fórmula para se sentir bem consigo mesmo. Você não deve nada a ninguém, mas na mesma moeda, ninguém deve nada a você.
Quando tudo se despedaça e o sentido deixa de existir, nós nos damos conta de que nossas vidas são vazias. Não estamos fazendo nada realmente, estamos apenas fingindo sermos importantes no trabalho e em nossas vidas pessoas, apenas para acobertar o fato de que na realidade somos substituíveis.
Triste, não? Bom, não realmente…
Ser substituível para alguém ou para uma empresa, ou um grupo, não significa muito. Por que desejamos ser insubstituíveis? Só para nos sentirmos importantes? Para massagear o ego?
Um trecho de um relato de uma velejadora que acaba de terminar sua segunda volta ao mundo – sozinha – me inspirou a escrever este artigo e a pensar neste assunto:
Como mulher, eu sempre senti uma expectativa quase que natural em cima de mim. Da sociedade, da família, dos amigos. Eu deveria crescer, ter uma boa profissão, me casar bem, ter uma penca de filhos, e viver uma vidinha pacata até me aposentar com meu suposto marido, quando então curtiríamos a velhice até morrer. Eu era diferente quando criança e adolescente, era muito tímida, sofri muito bullying. Cresci com baixa autoestima, achando que eu precisava fazer uma faculdade que me desse uma super profissão e calasse a boca e todo mundo. Fiz direito. Cresci achando que eu precisava me casar com um homem bom que me validasse como mulher e desse sentido à minha vida. Me casei em uma cerimônia pomposa, paga pelo meu pai, como haveria de ser, com um homem maravilhoso e bem sucedido. Ou assim eu pensava.
Quando esse homem maravilhoso me traiu, eu entrei em uma depressão profunda. Esse evento desencadeou a maior revolução em minha vida. Pela primeira vez eu parei para pensar no sentido de minha existência. Ao reduzir o ritmo eu comecei a notar todo o barulho em volta de mim. O barulho das pessoas se metendo na minha vida, querendo me dizer o que fazer, ou até mesmo exigindo certas posturas da minha parte. Durante muito tempo eu tinha sido uma “vendida”. Eu era a garota boazinha que nunca discutia com ninguém, que sempre sorria, que era educadinha. Quando eu estava machucada e queria fazer o que eu sentia que era certo, essas mesmas pessoas que retribuíam o sorriso me criticaram – como eu ouso ter vontade própria? como eu ouso fazer algo contrário aos seus conselhos? Acabou que o sorrisinho amarelo que eu dava para ser simpática as estava comprando. Enquanto eu fosse a idiota que sempre sorria, elas sorririam de volta e tudo estaria bem. Esse era o pacto. Quando eu resolvi ter vontade própria e fazer o que eu bem entendia, elas mostraram suas garras. Na mesma época, inúmeros acontecimentos no escritório de advocacia em que eu trabalhava me deixaram muito desiludida com a profissão. Resolvi sair e acabei me surpreendendo com a facilidade com que me deixaram ir, como se estivessem dizendo: já vai tarde!
Eu não conseguia mais enxergar o sentido da vida. Toda essa coisa de expectativas, dos sonhos que a gente constrói desde criança, tudo besteira. Comecei a olhar em volta, minhas amigas, familiares, todo mundo na mesma fossa, só que muitos fingiam que estavam bem e ainda sorriam, esperando que os outros sorrissem de volta e entrassem em seus joguinhos.
Foi quando eu decidi comprar um veleiro e partir. Quebrar com todas as amarras da sociedade. Não mais depender de ninguém e não permitir com quem ninguém dependesse de mim. Eu queria sentir a liberdade máxima, não dever satisfação alguma para qualquer viva alma, não ter que ouvir conselhos, não ter quer sorrir quando eu quero chorar. Eu queria sentir a vida pura, sem qualquer amarra, sem qualquer obrigação, a não ser a de permanecer viva. As pessoas me diziam para não ir, “onde já se viu uma mulher velejar sozinha! Que absurdo!” “Arranje outro homem”, “se quer velejar, comece a namorar um cara que faça isso e vão juntos, mas sozinha não!”, “tenha filhos, é isso o que está faltando em sua vida” – essas coisas que as pessoas me diziam me davam ainda mais vontade de partir e dar as costas para todas elas. Foi o que eu fiz. Isso tudo aconteceu há 8 anos… Desde então já dei duas voltas ao mundo, conheci centenas de países, pessoas maravilhosas, tive que resolver tudo quanto é problema… sozinha, e dei conta de todos eles. Nunca precisei de um homem para me “projeter” ou me ajudar no mar.
Foi a melhor decisão que eu tomei na vida. Me encontrei, descobri quem eu sou de verdade, quem eu sou quando não estou tentando agradar ninguém, o que eu quero, o que me faz feliz. Me tornei uma pessoa mais forte, segura, confiante. Não mais permito com que pisem em mim, não aceito conselhos, não peço “dicas” pra ninguém. Pela primeira vez na minha vida eu sou livre de verdade, sou eu mesma. — Vera Carter
A falta de autenticidade nasce da necessidade psicológica de se tornar outra pessoa numa tentativa de ser o que o outro espera que você seja. Objetiva-se com isso ganhar em troca a simpatia do outro e sua colaboração. Muitas pessoas acabam se desdobrando em 10, tentando agradar várias pessoas ou grupos, às vezes até mesmo adotando várias personalidades, com medo de contrariá-las e perder seu apoio ou simpatia. Esse raciocínio, apesar de muito normal e humano, está incorreto! Ser o que o outro quer que a gente seja para ganhar simpatia é, na realidade, a receita errada! Se o que queremos é simpatia alheia, o melhor é sermos nós mesmos. Pessoas autênticas, autoconfiantes, assertivas, e até mesmo briguentas e chatas, muitas vezes são idolatradas, adoradas, e obtêm não só simpatia, como favores solicitados e não solicitados dos outros. Parece uma contradição, não? Mas a natureza humana é assim mesmo, contradição pura. Uma prova disso é o estudo da liderança. Líderes geralmente não se preocupam em ser simpáticos e fazer joguinhos. Eles são autênticos, quem quiser vir atrás que venha, quem não quiser, que vá passear. Essa falta de preocupação para com o que os outros pensam ou deixam de pensar libera uma carga de energia absurda. Essa energia é então focada para atividades mais produtivas e significativas. Steve Jobs é um ótimo exemplo. Suas biografias sempre o descrevem como um líder energético e carismático, porém sem papas na língua e até mesmo carrasco. Essa visão vinha do fato de que ele dava bronca em seus funcionários quando precisava, falava o que pensava, sem se preocupar se estava “ferindo” os sentimentos de alguém ou não, e fazia o que queria, não se importando se estava agradando ou não. Já era ídolo antes de morrer, agora é endeusado! Não cabe aqui julgar se ele estava certo ou não, se era realmente boa pessoa ou não. O que quero ilustrar é pessoas que não são autênticas trocam sua própria vontade e bem estar pela simpatia alheia, quando na verdade quem consegue o apoio e até mesmo amor dos outros é quem é fiel em primeiro lugar a si mesmo e não se importa em agradar ninguém. É realmente um dos maiores paradoxos da psicologia humana. Você quer a admiração alheia? Então pare de tentar agradá-los! Não que isso também não possa virar uma armadilha se feito conscientemente. O ideal é não “buscar” nada dos outros, nem admiração, nem aprovação, nada. Apenas ser você mesmo. Se os outros não gostarem, que seja. O ponto é que em geral, as pessoas gostam de quem é assim.
Muitos de nós são como a Vera era no passado, tentamos ser simpáticos, procuramos não discutir, fazemos de tudo para não contrariar, damos sorrisinhos, quando na verdade, gostariam mesmo de fazer ou dizer outras coisas. Nos prendemos a essas armadilhas de comportamento porque erroneamente acreditamos que se ousarmos sermos nós mesmos, se ousarmos dizermos o que pensamos, corremos o risco de perdermos a aprovação destas pessoas, e sermos “substituídos” em suas vidas.
Um efeito colateral dessa “síndrome da simpatia” é o exato oposto do que está sendo buscado. Quem é bonzinho demais é visto como fraco, sem personalidade, manipulável, covarde, e inseguro. A pessoa só quer agradar, mas acaba passando atestado de falsa e no final das contas, não consegue nem simpatia, nem respeito de ninguém.
Se não há nenhum benefício em ser assim então, por que tanta gente é e tem dificuldade para ser autêntico? Por duas razões…
A primeira é expectativa social. Já nascemos dentro de um grupo que nos cerca de expectativas específicas relacionadas ao nosso gênero, posição na família (primeiro filho, caçula, irmão, sobrinho, etc.), e a própria convivência. Não é conveniente para os pais terem em casa um filho que só quer fazer o que bem entende, que é original, autêntico, e “livre”. Uma criança assim dá muito trabalho! Ela precisa ser “disciplinada”. Aprendemos então que não podemos fazer o que queremos, e isso não é de todo ruim, pois a vida em sociedade naturalmente precisa ser regrada para que vivamos em paz uns com os outros. Já aprendemos isso em casa.
A autenticidade tem um preço alto. Outro motivo é que ser você mesmo exige posicionamento firme e assertividade, principalmente quando sua vontade diverge da preferência dos outros ao seu redor. Quando queremos todos a mesma coisa, é muito fácil, todo mundo é feliz. Agora, quando queremos fazer algo em nossa vida que vai contra o que os outros pensam que nós deveríamos fazer, é mais fácil ceder do que comprar briga, mesmo que o custo disso seja nossa própria autoestima, e o respeito do outro. Quem já nasce com uma personalidade mais teimosa, acaba já adquirindo “fama de difícil” desde cedo e acaba não encontrando tantos obstáculos nesse sentido, pois a expectativa social já é de que a pessoa vai querer fazer o que ela quer, de um jeito ou de outro. Já é esperado que a pessoa seja assertiva.
Agora, quando o indivíduo cresce inseguro, tímido, ele “treina” aqueles à sua volta, ele os ensina que eles podem manipulá-lo à vontade, e mesmo fazendo-o sofrer, a mensagem transmitida é que se eles tentarem do jeito certo, a pessoa dobra. É justamente isso o que ocorre. Quando isso ocorre durante uma vida inteira, é necessário um evento de ruptura para quebrar com o condicionamento, como fez a Vera. É claro que nem todo mundo precisa imitá-la e sair velejando pelos sete mares! Isso foi o que ELA decidiu fazer! Mas já vi outros casos completamente diferentes. O ponto principal é dar um basta, mesmo que isso exija brigas feias e rupturas, mesmo que temporárias, em relacionamentos, principalmente familiares (já que é geralmente a família nuclear que exerce a maior manipulação sobre as pessoas). Dependendo do caso, pode ser necessário mudar de emprego, para “começar do zero” com colegas e superiores novos. É fato que as pessoas são muito resistentes às mudanças umas nas outras, principalmente quando uma pessoa que previamente era “manipulável” agora passa a ter vontade própria. A sua autoconfiança incomoda os outros que antes se aproveitavam da sua vulnerabilidade.
Desenvolver a assertividade é essencial. Não existe autenticidade sem assertividade, ou seja, saber se defender, principalmente verbalmente, sabendo colocar todos os pontos nos “i’s” contextualmente, no momento adequado. A assertividade é uma questão de coragem e posicionamento. Para isso é importante não ter dúvidas, não ficar em cima do muro. Uma das questões que vejo com mais frequência em pessoas que buscam autenticidade e não conseguem é uma eterna dúvida, elas nunca sabem o que exatamente devem fazer, qual o caminho que devem seguir, se devem fazer X ou Y, qualquer tomada de decisão é sempre um grande dilema. Isso é um perigo pois expõe a pessoa aos “abutres” que tentam manipular quem não se posiciona com seus “conselhos”. Sempre se posicione, mesmo que saiba que possa estar errado. Não tenha medo de estar errado. Não tenha medo de te esfregarem na cara depois com um “eu disse que você estava errado”.
Um dos “segredos”, se é que podemos chamar assim, que pessoas inseguras não sabem, é que medo e dúvida nunca deixam de existir. Pessoas altamente assertivas e autoconfiantes também têm medo e também têm dúvidas com relação às suas escolhas. O segredo é não demonstrar, principalmente para esses tipos que gostam de manipular os outros. Ninguém é onisciente, ninguém é onipotente. Talvez a conscientização disso é que dê tanta força para quem consegue realmente ser autêntico. Saber que sua escolha pode não ser a certa e mesmo assim, defendê-la com unhas e dentes, e persegui-la com coragem e ânimo, isso sim, faz toda a diferença. Demonstrar insegurança e ficar que nem uma barata tonta pedindo conselho para os outros é inútil, pois os outros também não têm todas as respostas! Se você estiver errado, assuma a responsabilidade sem fazer drama e corrija o rumo, da forma como a situação exigir.
Mas talvez o detalhe mais importante da autenticidade não esteja relacionado à tomada de decisão, mas sim à busca de aprovação. Você não precisa ser literalmente antipático, comprar briga, ser agressivo. Educação é o que mantém a teia da sociedade em equilíbrio. A assertividade nesse contexto é ainda mais importante. A pessoa assertiva não é agressiva, não defende suas ideias brigando com os outros, jogando coisas na cara, evidenciando as falhas e erros alheios. O ingrediente chave aqui é inteligência emocional, que somada com a assertividade, confere um grau de firmeza polida. Você é capaz de educadamente dizer o que você quer mesmo que seja o completo oposto ao que a pessoa pensa ou deseja, ou sua opinião, e ainda assim, sair por cima, como uma pessoa de classe, simpática, mas forte e firme em seus princípios e opiniões.
A base de toda essa mudança de comportamento é uma postura mental: deixar de acreditar que você deve ser insubstituível para as pessoas e grupos e por outro lado, também deixar de colocar outras pessoas em pedestais e acreditar que elas são insubstituíveis para você. A maior liberdade é a emocional, é nesse ponto que começa a verdadeira autenticidade.
Artigo Libertador… Parabéns!
Gratidão.
Ótimo artigo!
Artigo excelente!! Gostaria de ler também o relato completo da velejadora, onde posso encontrar?
Fran, você não faz ideia de como esse artigo me fez ter ainda mais certeza do que eu sempre acreditei mas nunca tive validação!
E agora, depois de ler tudo isso, eu decidi ir muito mais além!
Você finalmente conseguiu destrancar o último cadeado fechado que a chave, propositalmente, eu havia escondido por medo das consequências!
Muito obrigado mesmo!
Muito obrigado, esse texto nos ajuda a lutar contra nosso maior inimigo: nós mesmos.