Você quer ser um líder?
Deixe-me reformular aqui: você realmente quer ser um líder?
Como discuti no artigo “A liderança é genética ou pode ser aprendida?“, culturalmente temos essa ideia tosca de que a liderança é a culminação de uma carreira de sucesso, de que ser “liderado” é passar atestado de fracassado.
Mas isso é uma besteira sem tamanho. Há inúmeras carreiras muito satisfatórias e rentáveis que não envolvem liderança. Além disso, algumas pessoas simplesmente não têm o desejo nem a inclinação para liderar e podem ser muito mais felizes e realizadas se deixadas em paz em suas funções.
Neste artigo, quero fazer você refletir se deseja realmente ser um líder ou se seus talentos podem ser melhor aproveitados em outras posições.
CHEFES VERSUS LÍDERES
O mundo seria melhor se mais pessoas com talento para liderança se tornassem chefes.
Há frequentemente uma lacuna evidente entre os líderes que queremos e os líderes que realmente temos.
Embora isso seja principalmente uma tarefa para aqueles que selecionam ou elegem líderes, também há um elemento de autoseleção em jogo, já que os líderes geralmente se autonomeiam antes de serem realmente escolhidos ou nomeados.
Conforme mostram as pesquisas, visões irreais ou imprecisas de si mesmo tendem a levar indivíduos a aspirar a ser um líder, ou estar no comando, mesmo quando provavelmente não deveriam.
Para piorar a situação, essas autoavaliações imprecisas podem se tornar profecias autorrealizáveis: mesmo que você não tenha tanto talento para liderança quanto pensa, suas ilusões podem ajudá-lo a enganar os outros a pensar que você é tão talentoso quanto acredita, pelo menos até que seja descoberto.
O caso do líder narcisista é clássico. A pessoa acha que tem potencial de liderança (não tem!) e isso lhe dá autoconfiança para convencer os outros de que realmente possui essa competência, o que resulta em oportunidades e promoções para cargos de chefia. Isso, por sua vez, “confirma” para a pessoa que ela realmente é tudo o que pensa e a torna ainda mais autoconfiante e convincente.
E SE SÓ MESMO QUEM TEM COMPETÊNCIA DESEJASSE SER UM LÍDER?
Assim como as pessoas decidem se tornar, digamos, professores, cantores de ópera, astrofísicos ou neurocirurgiões, porque são bons nisso?
Certamente, com a quantidade certa de treinamento e educação, qualquer um pode legitimamente aspirar a qualquer coisa, mas não se pode negar que o potencial inicial das pessoas irá significativamente limitar ou acelerar sua capacidade de desenvolver talento em seu campo ou carreira escolhida.
De fato, estudos científicos mostram que, em qualquer área, os efeitos do treinamento são amplamente atribuídos ao talento: quanto mais talento você tem, mais você melhora com a prática e o treinamento.
Só para ficar claro, quando falo em talento, estou me referindo às características naturais da personalidade de um indivíduo, aquilo que ele já traz consigo desde o nascimento.
CHECKLIST DA LIDERANÇA: VOCÊ REALMENTE QUER SER UM LÍDER?
Então, o que realmente significa ter potencial para uma boa liderança?
Centenas de estudos e décadas de ciência sobre os preditores de liderança eficaz podem ser destilados nestas simples perguntas de autoavaliação; uma checklist que pode ajudá-lo a determinar se você deveria ser um lider ou se seria mais eficaz em outras posições:
1. Você tem o expertise certo para ser um líder?
Curiosamente, o expertise é subestimado. Se você quer ser um líder, é fundamental que você seja capaz de tomar decisões inteligentes, mostrar bom julgamento, avaliar e aproveitar as ideias de suas equipes e ter credibilidade ou reputação por ser conhecedor.
2. Você tem as habilidades interpessoais certas para ser um líder?
Deixando de lado habilidades técnicas ou expertise, a liderança requer uma ampla gama de habilidades sociais fundamentais: inteligência, quociente emocional, curiosidade, coragem de assumir riscos, perspicácia, assertividade, proatividade, iniciativa e integridade.
Você pode não ter uma ou duas dessas habilidades ou não ser muito forte em algumas, mas sua capacidade de desenvolver a liderança é diretamente proporcional a essas habilidades sociais fundamentais.
Líderes coordenam o trabalho de outras pessoas; portanto, além das competências relacionadas à capacidade de agir e solucionar problemas, para ser um líder você precisa ter habilidades sociais e comunicativas como assertividade, inteligência emocional e perspicácia em um nível superior à média da população.
3. Você tem a motivação certa para ser um líder?
Os líderes desempenham um papel chave na definição do clima e da cultura de suas equipes e organizações.
Seus subordinados diretos o conhecerão muito bem, e o que você valoriza, recompensa e sanciona moldará profundamente suas ações e comportamentos, além de engajá-los ou desengajá-los.
Portanto, é fundamental que seus valores e personalidade estejam alinhados com os de sua organização, mesmo que seu objetivo seja promover mudanças.
Mais importante ainda, é muito difícil ser um bom líder se você colocar-se à frente dos outros, priorizar seus próprios interesses egoístas à frente de suas equipes e for motivado por sua própria agenda de carreira pessoal, status, fama, reconhecimento, em vez de por um verdadeiro desejo de melhorar os outros e transformar um grupo de pessoas em uma equipe de alto desempenho e engajada.
Se sua vontade de ser um líder está vindo do ego e você quer apenas ser reconhecido como “o melhor” em sua área ou associa liderança com valor pessoal, talvez essa não seja a melhor motivação para fundamentar seu crescimento.
4. Você é capaz de melhorar os outros?
Isso significa prestar muita atenção às necessidades, objetivos, habilidades e fraquezas dos membros de sua equipe, e ajudá-los a fechar a lacuna entre onde eles estão e onde querem estar.
Como os maiores treinadores esportivos ou gerentes, os melhores líderes encontram uma maneira de desbloquear o potencial das pessoas, aproveitando o poder da colaboração eficaz da equipe e ajudando cada indivíduo a prosperar.
5. Você considerou seriamente as alternativas?
O mundo moderno celebra líderes como se qualquer outra opção de carreira fosse uma tragédia. Muitas pessoas veem a trajetória em direção à liderança como a única válida para uma carreira promissora, mas às vezes é bom ganhar um pouco de perspectiva e refletir sobre a realidade dessa ideia.
Obviamente, não poderíamos viver em um mundo onde todos querem ser líderes, apenas uma minoria de pessoas pode estar no comando. Se todos são chefes, então ninguém é chefe.
Da mesma forma, o termo “seguidor” tem uma conotação negativa e de perdedor, mas o mundo precisa de muito mais seguidores do que líderes, e ser um bom seguidor é tão importante para a liderança quanto o próprio talento de liderança.
6. Você entende e deseja as responsabilidades inerentes à posição de liderança?
Em meu trabalho como consultor, volta e meia encontro líderes que me confidenciam que adorariam voltar para suas posições anteriores, onde podiam realizar o trabalho para o qual estudaram e treinaram.
Um cientista, professor acadêmico de uma grande universidade, uma vez me disse que sente muita falta de dar aulas e estar em contato diário com os alunos, mas agora, como chefe do departamento, precisa se ocupar da liderança dos outros professores, assistentes, técnicos de laboratório e alunos de doutorado. Ele não consegue mais assumir uma turma e sente muito por isso.
Um engenheiro químico me revelou que “detesta” estar na posição de liderança em que foi colocado, pois adorava seu trabalho no chão de fábrica, lidando diretamente com as máquinas. Seu trabalho agora é no computador, fazendo planilhas, escrevendo relatórios e gerenciando uma equipe de escritório. Ele raramente encontra tempo para descer à fábrica e ver o que está acontecendo.
Ao avaliar se você quer realmente ser um líder é importante considerar que a atividade de liderança é basicamente administrativa e gestora. O líder supervisiona o trabalho dos outros e geralmente é responsável por uma série de tarefas entediantes como planilhas, relatórios, análise de dados, contratação, e outras coisas que as pessoas geralmente odeiam fazer.
Se você é uma pessoa que gosta de uma área técnica específica e prefere desempenhar o trabalho braçal que ela exige, como na engenharia, na docência, no marketing ou em vendas, as tarefas administrativas que o líder desempenha talvez não sejam tão atraentes para você.
CONCLUSÃO
Portanto, antes de tirar conclusões e mergulhar em papéis de liderança ou gestão porque você desconsidera quaisquer alternativas, lembre-se de que nem todo mundo gosta da responsabilidade de ser responsável pelos outros; nem todos conseguem fazer a transição efetivamente de ser um grande colaborador individual para ser um grande gerente; e assim como temos o princípio da incompetência (a maioria das pessoas é promovida além de seu nível de competência), existe o Bartleby (a maioria das pessoas é promovida para seu próprio nível de miséria).
Isso faz sentido: afinal, qual é a lógica de “recompensar” alguém que é realmente bom em seu trabalho, forçando-o a parar de fazer esse trabalho e ter que gerenciar outras pessoas?
Portanto, tenha cuidado com o que você deseja!
![Pedro Sostre](https://guiadavida.com.br/wp-content/uploads/1691603746-pedro-sostre-headshot.webp)
Pedro Sostre é o CEO da Builderall, uma plataforma de marketing completa que tem apoiado mais de 2 milhões de empresas em todo o mundo. Ele é autor de “Web Analytics for Dummies” e colaborou com organizações como WeWork, Republic, a NFL, entre outras. Ele estudou estratégia disruptiva na Harvard Business School.