Autenticidade: 7 mitos populares. Por que você não deve tentar ser autêntico?

Franciane Ulaf

Os mitos da autenticidade - não tente ser autêntico

A autenticidade é um mito. Ser autêntico é promovido como a solução para problemas emocionais como autoestima e autoconfiança, o segredo da felicidade e até mesmo do sucesso profissional. Abaixo, vejamos sete ideias falsas que tornam todo esse discurso sobre autenticidade nada mais que conversa fiada.

Ao contrário do que se pensa comumente, raramente somos recompensados por sermos nós mesmos. Na verdade, a civilização e a sociedade organizada humana é amplamente resultado de nossa capacidade de nos autocensurar e inibir nossos impulsos espontâneos e naturais.

MITO 1: Pessoas extrovertidas são mais autênticas

Contrariamente à crença popular, a extroversão não é um indicador de autenticidade. Embora as pessoas extrovertidas possam parecer mais abertas e sociáveis, sua expressão extrovertida não necessariamente reflete sua verdadeira essência.

A personalidade extrovertida muitas vezes é associada a uma maior predisposição para interagir e se envolver socialmente, o que pode levar os outros a presumirem que são mais autênticas. No entanto, a autenticidade vai além da superfície das expressões e está mais relacionada à congruência entre o que uma pessoa demonstra externamente e quem ela realmente é internamente.

Além disso, a extroversão muitas vezes implica uma habilidade inata de se adaptar ao ambiente e às expectativas sociais, levando as pessoas extrovertidas a ajustarem sua apresentação pública para se conformarem às normas e convenções sociais. Isso não necessariamente indica autenticidade, mas sim uma resposta adaptativa aos estímulos externos. Em outras palavras, pessoas extrovertidas podem ser apenas bons atores, desempenhando no palco da vida o comportamento que percebem como mais eficaz para alcançar seus objetivos.

A autenticidade não está restrita a nenhum traço de personalidade específico, como a extroversão. Pessoas introvertidas também podem ser autênticas ao expressarem sua verdadeira natureza de maneiras mais reservadas e contemplativas.

MITO 2: Você deve ser autêntico no trabalho

Não há emprego, carreira ou setor em que seguir esse mantra seja benéfico, nem para você nem para seu empregador. Nem mesmo nas artes ser autêntico é garantia de sucesso. O cinema e a música estão repletos de histórias de artistas que optaram pela autenticidade e seguiram seus verdadeiros desejos, apenas para serem rejeitados pelo público.

Ao contrário de Freud, nossos colegas, clientes e chefes têm pouco interesse em descobrir quem realmente somos “no fundo”, especialmente se isso significar experimentar em primeira mão nossos defeitos de caráter, tendências irritantes e crenças bizarras.

O trabalho não é um ambiente para liberarmos todo o espectro de nossa identidade para os outros, mas um ambiente formal, regrado e profissional no qual apenas certos aspectos de nós mesmos são convidados e ainda menos recompensados.

Em geral, você melhorará seu desempenho, reputação e sucesso exibindo a melhor versão de si mesmo, parecendo (em vez de sendo) genuíno e focando mais em agradar aos outros do que a si mesmo, o que requer uma grande dose de autocontrole, gerenciamento de impressões pessoais e eficácia em inibir e reprimir seus impulsos e pensamentos e emoções não filtrados e centrados em si mesmo.

O “você real”, no sentido da versão desinibida e espontânea de si mesmo com a qual seus amigos e familiares mais próximos estão familiarizados, é alguém que algumas poucas pessoas no mundo aprenderam a amar, ou pelo menos tolerar, e nem sempre durante todo um fim de semana. Se familiares mal se toleram por conhecerem o “eu mais autêntico” de seus parentes, imagine se mostrássemos essa versão no trabalho?

MITO 3: Autenticidade é ser fiel aos seus valores

Bem, isso realmente depende de quais são esses valores! Por exemplo, e se você for sexista, racista, xenófobo ou etarista? E se você gosta de coisas que são, digamos, não tão aceitáveis socialmente?

Certamente, a história está repleta de estudos de caso traumáticos de líderes, como Hitler, Mao e Lenin, que teriam causado muito menos danos se fossem menos fiéis aos seus valores. Em qualquer sociedade, negócio ou organização, não faltam indivíduos cujos efeitos parasitários, tóxicos e destrutivos em seus grupos seriam significativamente atenuados se apenas conseguissem censurar seus valores distorcidos e imorais pelo bem de todos os outros.

É desnecessário dizer que impor nossos valores aos outros requer assumir que eles são superiores, e adotar uma posição moral elevada. Há benefícios em questionar seus próprios valores e considerar a possibilidade de estarem errados, em vez de focar em ser fiel a eles.

Quanto mais autêntico você é no seu comportamento, mais você força os outros – mesmo sem querer – a engolir os seus valores, quer eles compartilhem dos mesmos ou não.

MITO 4: Pessoas autênticas são mais bem-sucedidas

Nem tanto, embora o sucesso aumente a tendência das pessoas de agir sem consideração pelo que os outros pensam delas. Elon Musk ganhou o direito de ser autêntico quando se tornou um dos homens mais ricos do mundo, mas sua autenticidade o revela como um sujeito inescrupuloso e egocêntrico.

Nesse sentido, a autenticidade é um sinal de privilégio e arrogância. Quanto mais status você desfruta, mais próximo está do grupo interno ou de elite, mais você pode se dar ao luxo de “ser você mesmo”, para desgosto de todos os demais.

De fato, a frase “o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente” ilustra o fato de que, à medida que as pessoas avançam em qualquer hierarquia organizacional ou social, o que geralmente exige que elas censurem seu eu autêntico e impulsos espontâneos, elas recebem permissão (ou pelo menos acham que recebem) para “serem apenas elas mesmas” e se comportarem sem qualquer preocupação com a opinião alheia. O resultado geralmente é desastroso!

Para citar apenas alguns exemplos do mundo real, Bill Cosby, Michael Jackson, Harvey Weinstein, Jeffrey Epstein e Donald Trump não sentiram restrições ou inibições quando se tratava de se comportar de acordo com seus instintos desviados, corruptos ou antissociais, e seu poder, status e riqueza impediram que testemunhas se manifestassem, os expusessem ou revidassem.

MITO 5: É fácil saber quando alguém é autêntico

Nem tanto. Na verdade, filósofos e psicólogos debatem como definir a autenticidade há séculos, e ainda há pouco consenso sobre isso hoje. A razão é simples: nenhuma definição única ou conceito de autenticidade está isenta de falhas lógicas ou empíricas. Por exemplo, algumas pessoas definem a autenticidade como “agência”, o que implica que alguém pode agir sem ser influenciado por ninguém ou por nada, inclusive pela sociedade em geral.

Isso é absurdo: chegamos a este mundo como humanos indefesos e sobrevivemos apenas por nossa capacidade de aprender tudo de que precisamos saber com os outros, incluindo como agir, pensar e sentir. E quando chegamos à vida adulta, somos capazes de funcionar como seres humanos bem ajustados apenas por nossa capacidade de internalizar e seguir regras, incluindo quando abandonamos certas regras em favor de outras.

O indivíduo que não segue regras e não é influenciado por ninguém não consegue viver em sociedade e acaba institucionalizado. Não há nada de autêntico nesse comportamento!

Da mesma forma, quando a autenticidade é definida como congruência comportamental entre diferentes situações (também conhecida como consistência comportamental), não estamos levando em consideração a importância crítica de flexibilizar nosso comportamento dependendo das demandas específicas de uma situação particular.

Portanto, a rigidez comportamental não torna as pessoas autênticas, e muito menos eficazes. Aquela pessoa, seja na vida pessoal ou profissional, que se nega a mudar ou ser flexível, atrai conflitos, causa problemas e acaba, aos poucos, sendo ostracizada, já que ninguém quer lidar com tal indivíduo!

Igualmente, a noção de que devemos expressar nosso “verdadeiro eu” em cada situação é ilógica, pois todos possuímos múltiplos “eu’s”, e a complexidade do eu é parte de nossa identidade.

O normal (e adaptativo) é expressar ou exibir os aspectos pertinentes de nossa identidade em cada situação relevante, mantendo os outros elementos em segundo plano.

Um problema ainda maior é que não há como saber com certeza se alguém, incluindo você mesmo, está sendo autêntico: pessoas que parecem autênticas frequentemente assumem uma persona bem coreografada e, na melhor das hipóteses, são ótimos atores.

Também não há como saber se estamos sendo autênticos nós mesmos: o autoengano é comum, mentimos para nós mesmos o tempo todo. E a convicção de que estamos totalmente cientes de nosso verdadeiro eu, ou que uma única dimensão de nossa identidade representa e engloba totalmente a essência de quem somos, é completamente enganosa. Não é assim que a mente humana funciona!

Em pessoas normais, a posição racional é não realmente saber quem somos, mas ainda assim envolver-se em introspecção humilde e autocrítica, bem como na internalização dos feedbacks de outras pessoas, para tentar descobrir – mesmo que nunca possamos encontrar uma resposta.

Também deve ser observado que a noção de que alguns de nossos comportamentos podem ser mais “verdadeiros” ou “reais” ou “autênticos” do que outros é logicamente incoerente: qualquer coisa que façamos, só podemos ser nós mesmos, mesmo quando estamos tentando não ser nós mesmos, e tudo o que fazemos é indicativo ou representativo de quem somos, gostemos ou não, e se ressoa ou não com nossas visões de nós mesmos.

MITO 6: Pessoas autênticas são mais emocionalmente inteligentes

Pelo contrário, estudos indicam que a inteligência emocional é conceitual e empiricamente idêntica ao gerenciamento de impressões pessoais. Em outras palavras, pessoas que geralmente são consideradas emocionalmente inteligentes (por outros e não por si mesmas) tendem a se comportar de maneira educada, agradável, calma e conciliadora, porque são capazes de controlar suas tendências do “lado negro” para se retratar de maneira positiva ao interagir com os outros.

Consequentemente, eles pontuam altamente em medidas de gerenciamento de impressões pessoais e desejabilidade social, que têm sido associadas a níveis mais altos de desempenho no trabalho e sucesso na carreira. Podemos não saber quem você realmente é no fundo, e se você está agindo de maneira genuína ou sincera ou não, mas sua habilidade de parecer composto e gentil ao lidar com os outros geralmente impulsionará seu status e conquistas na vida.

MITO 7: Pessoas autênticas sabem quem realmente são

Não sabem, o que obviamente cria um grande desafio para aqueles que buscam agir “autenticamente”:

O que é ser autêntico se nós não sabemos quem somos?

Um dos achados mais amplamente replicados na ciência comportamental é que o autoengano é muito mais comum do que a autoconsciência, ou seja, é muito mais comum não sabermos quem somos do que termos uma ideia clara a ponto de podermos expressar essa identidade “autenticamente”.

Nosso autoengano é ilustrado por nossa tendência geral a acreditar que somos mais inteligentes e melhores do que os outros, e que, de fato, somos; que nossos fracassos não são nossa culpa, enquanto nossos sucessos são resultado de nossos talentos e méritos; e que as pessoas estão certas quando nos elogiam, mas erradas quando nos criticam. A literatura sobre o autoengano é rica e nos faz abrir os olhos para a realidade da mente humana.

Quando a maioria das pessoas pensa em si mesma, incluindo seu self e quem são, elas são capazes de construir uma narrativa agradável, lógica e otimista sobre sua identidade, o que não significa que podem fazer com que os outros acreditem ou comprem essa narrativa.

O que importa em todas as áreas da vida não é o quão bem você pensa de si mesmo, mas se consegue fazer com que os outros concordem com você. Habilidades sociais visam traduzir suas visões de si mesmo nas visões das outras pessoas sobre você, ou fazer com que outros concordem com a imagem de si mesmo que você gostaria de ver.

O paradoxo é que ao tentar ser autênticas, as pessoas acabam errando na dose e se apresentando como carentes de atenção. Elas forçam a barra exigindo que os outros as reconheçam como “autênticas”, ficam ressentidas quando são criticadas ou rejeitadas por expressarem comportamentos exóticos ou preferências inusitadas.

Esse esforço excessivo para se destacar como autênticas muitas vezes resulta em uma atuação exagerada, onde o genuíno é substituído por uma persona construída para atender a uma imagem pré-concebida de autenticidade. Essa busca desenfreada pela aceitação pode levar à alienação, pois os outros podem interpretar essa autenticidade forçada como artificial e manipuladora.

No fundo, ao invés de expressar características sinceras e honestas, o esforço para ser autêntico transforma a pessoa em uma caricatura ambulante, vista como exagerada, arrogante, falsa e dissimulada.

CONCLUSÃO

Ao contrário do que se pensa comumente, a melhor maneira de entender quem realmente somos é internalizar as visões que os outros têm de nós. Como David Bowie sabiamente observou: “Eu sou apenas a pessoa que o maior número de pessoas pensa que eu sou”.

A verdadeira autenticidade reside na honestidade consigo mesmo e na integridade de suas ações. Ser verdadeiramente autêntico requer uma profunda compreensão e aceitação de si mesmo, independentemente das expectativas externas. No entanto, como vimos, há limitações profundas para alcançar esse nível de consciência.

Além disso, não há como escapar das expectativas externas. Tentar viver como se as vontades, preferências ou opiniões dos outros não existissem ou não fossem importantes para nós só nos causa mais problemas e boicota nossos esforços para nos adaptar e sermos bem-sucedidos na vida.

Ser eficaz e eficiente na condução de nossas vidas exige que nos adaptemos ao jogo social, em vez de tentarmos impor aos outros uma versão “mais autêntica” de nós mesmos, seja lá o que isso signifique na prática.

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