Será que seu sonho é uma ilusão?

Franciane Ulaf

Sonhos e ilusões

O sonho sempre tem essa característica de ser algo que nós queremos muito, que nós acreditamos que vai ter um impacto muito positivo na nossa vida, em outras palavras, que vai nos fazer felizes. Nem sempre, contudo, nossos desejos são realizáveis. Mesmo sonhando alto, precisamos manter o bom senso para não desperdiçarmos nosso tempo e acabarmos desiludidos.

Se queremos desenvolver uma personalidade conquistadora, realizadora, se queremos ser aquele tipo de pessoa que faz acontecer, que viabiliza ideias, nós precisamos aprender a distinguir entre sonho realizável e ilusão.

Veja que o sonho realizável não precisa ser necessariamente estritamente realista. Tem muita gente nessa área de metas e planejamento que insiste que as metas precisam ser absolutamente realistas e realizáveis. O famoso método SMART de definição de metas confina os sonhos dentro de “cinco paredes”. Mas limitar a meta dessa forma pode acabar nos fechando dentro daquele mundo que nós somos capazes de conceber naquele momento de vida sem abarcar as possibilidades de que as coisas no futuro podem ser diferentes – e as últimas décadas nos mostraram que mudanças acontecem rápido. Então não é uma questão de ser super realista. Porém, nós precisamos nos dar conta de que certos sonhos podem ser castelos de areia. O que devemos buscar é um equilíbrio entre ousadia e realismo. Ao mesmo tempo em que podemos buscar “furar o céu” e fazer coisas incríveis, precisamos considerar se nossas ambições não são apenas ilusões mais parecidas com caprichos egóicos do que objetivos reais.

O que acontece quando insistimos em perseguir um sonho ilusório?

Em primeiro lugar, perdemos tempo. A vida é muito curta. Não podemos perseguir tudo quanto é tipo de sonho, nem querer realizar muitas coisas, principalmente ao mesmo tempo, ou mesmo fazer um pouco de cada coisa. Um dos segredos da realização e da produtividade eficaz é a priorização, é você ser capaz de colocar toda a sua energia em cima de um único foco, ou algumas coisas bem delimitadas. Se a pessoa fica ciscando aqui e ali, tentando de tudo um pouco, se a pessoa se dispersa, se espalha pra tudo quanto é lado, ela não atinge resultado algum, fica só chovendo no molhado. Às vezes esse comportamento pode ser consequência de tentar perseguir sonhos ilusórios, coisas que são tão rarefeitas, tão improváveis, tão fora da realidade da vida, que ela não consegue reunir os recursos necessários pra fazer aquilo acontecer.

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Os autores ensinam como atitudes diárias garantem um planejamento de qualidade para que seja possível arquitetar – e realizar.

Sonhos ilusórios podem levá-lo à depressão profunda

Um dos piores cenários quando teimamos em perseguir sonhos ilusórios por muito tempo é o efeito da desilusão. A desilusão, ao contrário da frustração, pode ser benéfica, mas causa um rombo emocional que pode ter efeitos extremamente negativos. A desilusão é aquele “se dar conta” da ilusão do sonho. Quando percebemos que tudo aquilo que acreditávamos sobre um determinado assunto, sobre nós mesmos, sobre nossos sonhos, eram castelos de areia e fomos tolo ou ingênuos de acreditar que podíamos chegar lá.
Há pessoas que perseguem sonhos ilusórios mas nunca chegam na desilusão, permanecendo a vida inteira nutrindo a ilusão de que um dia aquele sonho se tornará realidade. Isso é muito negativo. Você não vai ouvir isso na autoajuda por aí! Essa perspectiva é antipática, a autoajuda é populista, ela gosta de dizer eternamente que você vai conseguir, é só você se esforçar, trabalhar duro, não desistir, que você chega lá.

Ah, mas o meu sonho é construir uma escada até a Lua!

Vai lá! Começa do primeiro degrau, você consegue, vai indo, degrau por degrau, você chega até a Lua!

Precisamos abandonar essa perspectiva que não é só excessivamente otimista, mas ingênua no sentido de que tem coisa que não é pra nós, tem coisa que é improvável que aconteça, tem coisa que é literalmente impossível dentro das nossas condições pessoais. E precisamos nos dar conta disso o quanto antes pra evitar nos agarrarmos a esses sonhos ilusórios e ficar construindo um castelo de areia. Quanto mais tempo passamos perseguindo esses caprichos mais severa será a desilusão quando esse castelo ruir.

Ah, os caprichos!

Por falar em caprichos, esses são os grandes culpados por esses castelos de areia. Caprichos são desejos egóicos, fantasias, teimosias, sonhos de grandeza, fama, glória, riquezas. São coisas não prioritárias que recebem uma atenção desproporcional. Caprichos não adicionam nada útil ou perene às nossas vidas, eles simplesmente nos roubam tempo e espaço mental. Enquanto estamos ocupados sonhando ou nos dedicando ao capricho, a vida real passa por nós e nem percebemos.

O que acontece quando a pessoa nunca larga mão do sonho ilusório dela?

Fora a perda de tempo, a pessoa acaba também não dando espaço para sonhos realizáveis que cabem dentro da vida dela. Enquanto ela está ocupada demais sonhando com aquela coisa que nunca vai acontecer, ela não tá se ocupando de construir outros sonhos, coisas que poderiam tornar a vida dela melhor. E por não se dedicar a sonhos realistas e realizáveis ela acaba não realizando nada e amarga uma vida morna e frustrada.

É o caso da pessoa que tem uma paixão impossível. Ela é apaixonada, digamos, pelo Brad Pitt. Ela nunca vai se encontrar com o Brad Pitt, muito menos ter chance de ter um relacionamento romântico com ele. Mas enquanto ela está ocupada sonhando com o Brad Pitt, ela se nega a ter relacionamentos com outras pessoas, pessoas reais que estão na vida dela e que querem ter um relacionamento com ela.

Os homens “reais” são todos imperfeitos, eles não “chegam nem aos pés do Brad Pitt”. Então no final das contas, a vida dela é menos feliz porque ela não tem um relacionamento afetivo saudável com uma pessoa real, mas ela acha que ela vai ser imensamente feliz quando ela encontrar pessoalmente com o Brad Pitt e tiver um relacionamento com ele.

A distorção de perspectiva é o maior problema. A pessoa pensa que a felicidade dela está num sonho que provavelmente jamais vai se realizar e enquanto isso ela amarga a infelicidade porque ela se recusa a admitir qualquer outra opção na vida dela.

Todas as opções reais são comparadas ao sonho e menosprezadas. Esse cenário é muito comum em pessoas que costumam sonhar acordadas excessivamente. Em casos graves, a pessoa sofre de transtorno de devaneios excessivos (clique no link para ler mais), uma condição que é caracterizada pela construção detalhada de uma vida paralela na imaginação.

O que é importante entendermos aqui é que a manutenção de sonhos ilusórios custa caro. Ela custa tempo que a gente perde, ela pode resultar numa desilusão que pode gerar uma depressão profunda, e rouba nossa atenção. Enquanto estamos ocupados demais perseguindo ou simplesmente sonhando com algo que nunca vai acontecer, a vida vai passando, e a gente não vai fazendo coisas que são realizáveis e que poderiam aumentar a nossa qualidade de vida e consequentemente a sensação que nós costumamos chamar de felicidade.

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Mas e se o sonho ilusório acontecer? Não vale a pena tentar?

E se? E se der certo?

O que está embutido nesse tipo de pergunta é uma supervalorização daquele sonho, que por si só, já envolve uma boa dose de ilusão. Vamos pegar um exemplo de um sonho ilusório muito comum: o sonho de ficar famoso.

Digamos que o nosso exemplo aqui queira ser cantor, ele quer fama mundial, ele sonha em sair em capa de revista, em morar numa mansão, e viver no jetset das celebridades. Parte da problemática aqui é o ego, que é responsável pelos caprichos. Esse é o tipo clássico de sonho egóico que a pessoa nutre devido a deficiências psicológicas.

Mas a outra parte é a percepção de que por esse sonho tudo vale a pena. Se acontecer, se esse sonho se realizar, não existe nada no planeta que seja melhor do que isso. E isso é a ilusão em si. E se der certo? E se eu conseguir se o maior cantor que esse Brasil já viu? É essa ilusão que corrompe e enevoa a percepção da pessoa. Isso vem de fatores culturais e da própria dinâmica psicológica que tem raízes evolutivas. Entretanto, o ego é um poço sem fundo que sempre quer ser adorado, admirado, reconhecido, mimado. Ele nunca está satisfeito. Tentar suprir os caprichos do ego é receita para uma vida infeliz.

Eu, como psicóloga evolutiva, acabo sempre fazendo um vínculo com a questão de como nós acabamos sendo robôs a serviço dos nossos genes. Escapar disso, pular fora desse trem, é muito difícil. Não é só a dificuldade com a nossa própria psicologia, que não é voltada para nos gerar satisfação no sentido de felicidade plena, mas também a fricção social, porque ao nosso redor muita gente está vivendo as mesmas ilusões. Socialmente, temos essa visão de que por alguns desses sonhos ilusórios, principalmente os que levam à fama ou à riqueza, tudo vale a pena. Mesmo que seja improvável, e se acontecer? E se der certo? Essa ilusão ela é pervasiva, ela está por toda a parte. Então fazer um movimento de rejeição desse tipo de sonho pode não ser tão fácil, principalmente para pessoas mais jovens que tendem a comprar essas ilusões e ter essas expectativas fora da casinha.

A questão é que a necessidade de reconhecimento e aprovação alheia gerada pelo ego é um buraco negro. Não adianta tentar supri-la, sempre haverá uma demanda maior. Quanto maior a fama, maior é a necessidade de bajulação e mais sensível a pessoa se torna às críticas alheias. O ideal é trabalhar com esse traço e superá-lo ao invés de tentar obter uma condição em que o ego está no controle.

Abrindo mão das ilusões

Abrir mão desses sonhos ilusórios é o caminho pra adotar um comportamento mais prático, um comportamento que nos leva a realizar de fato coisas que estão ao nosso alcance e que podem nos levar a saltos mais altos no futuro.

Vale lembrar que pegar exemplos de pessoas altamente bem-sucedidas, seja no campo do esporte ou nas artes, ou nos negócios, em qualquer área e usar como exemplo contra esse meu argumento de que devemos abrir mão dos sonhos ilusórios não é muito realista. Por quê? Você pega uma pessoa que é o maior isso ou aquilo, maior jogador de não sei que, maior músico do instrumento tal, super empreendedor, CEO de empresa multimilionária, ou o que seja. Se formos estudar a trajetória deles veremos que o ápice não era o sonho. Em muitos casos, não havia nenhum sonho muito específico, além de conseguir continuar atuando naquela área ou simplesmente “ser bem-sucedido” nela. Um grande violinista, por exemplo, pode de ter sonhado apenas conseguir ter o violino como profissão. É muito provável que ele nunca tenha sonhado em ser um violinista tão reconhecido, “o maior de todos os tempos” ou algo nesse sentido. Casos de sucesso não provam o contrário do que estamos discutindo aqui. Geralmente esses casos são marcados pela pessoa ter humildade de seguir a trajetória dela com disciplina, com vontade, com trabalho duro — e muitas vezes, sem ficar sonhando com a “glória”.

O ápice acaba sendo uma consequência de uma vida de dedicação a um só objetivo e trabalho duro, não de um sonho que foi realizado (como um presente do gênio da lâmpada!). Se a pessoa tem um sonho muito extravagante, muito superlativo, não só isso pode ser só uma manifestação do ego, ou seja, a pessoa está em busca de aprovação alheia, reconhecimento, ela quer aparecer, quer ser apreciada, mas ela não tem intenção nenhuma de fazer o trabalho duro que é necessário pra galgar os passos do caminho. Isso também pode tornar a pessoa arrogante, no sentido de que ela se acha boa demais pra participar do processo de construção daquele caminho. Não só o trabalho é duro, mas ele também envolve aspectos não glamourosos, coisas que não fazem parte do sonho. Quando o sonho é o auge, a vitória, o ápice, o trabalho de formiguinha do dia a dia, que é necessário para que algo na direção daquele sonho seja construído, é rejeitado e menosprezado.

Em resumo, pessoas que sonham alto demais geralmente não estão dispostas a ralar para chegar lá e permanencem sonhando a vida toda. Pessoas que chegam realmente ao ápice são aquelas que têm sonhos modestos, ambições sensatas e por isso continuam trabalhando arduamente no cotidiano.

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Nutrindo sua paixão

Uma das melhores formas de selecionar nossos sonhos e objetivos, é pensar no que gostamos realmente de fazer. Muito se fala em paixão, em fazer aquilo que temos paixão, e isso significa pensar nas coisas que gostamos de fazer, no nosso jeito de ser, na nossa personalidade, naquilo que combina conosco, naquilo que poderíamos dedicar nosso tempo ao longo de muitos e muitos anos, independente dos resultados que eventualmente atingirmos. Isso é o oposto de só pensarmos no resultado, num ápice qualquer, e eleger aquilo como sonho sem pensar se nos daríamos bem ou mesmo se teríamos disposição no longo prazo.

Essa questão da paixão chega a ser um clichê, mas ela é repetida incansavelmente porque faz sentido. Sem gosto pelo que fazemos não há motivação e sem motivação não há razão para nos dedicarmos mais do que o absolutamente necessário para nos safarmos.

É claro que o ser humano, com sua capacidade singular de se autoenganar, pode eleger um sonho ilusório e convencer-se de que aquilo é a coisa mais importante de sua vida. Um caso comum é a pessoa que não tem a menor vocação para a medicina, mas diz que seu sonho é ser médico. O que está por trás disso é a necessidade egóica de ter uma profissão que está no “topo da cadeia alimentar” e ser apreciado como um profissional “heróico”.

As pessoas conseguem se convencer de qualquer coisa, mesmo que seja a mentira mais deslavada. Tem gente dizendo que sonha em ser médico e acredita naquilo. A pessoa realmente acha que é isso mesmo o que ela quer e ela diz que ela tá disposta a enfrentar todas as dificuldades, e percorrer todo o longo trajeto da formação dessa carreira.
Mas no fundo, é tudo mentira. Todo esse processo pode ser inconsciente. A pessoa não está deliberadamente mentindo, mas o sonho de ser médico é uma ilusão. No fundo o que a pessoa realmente quer é o status da profissão, é a aprovação alheia, é impressionar os outros. Mas como ela está em busca de algo que vai preencher uma necessidade do ego e não de algo que realmente combina com ela, que ela tem paixão, ela acaba não tendo fôlego para percorrer o caminho. A pessoa pode até se empolgar e se convencer de que ela vai trabalhar duro e que vai se esforçar, mas aquilo esvanece e ela eventualmente relaxa.

Aquele sonho então fica num pedestal, como se fosse um santinho. A pessoa venera o sonho, ninguém pode criticar, ninguém pode dizer nada. Ela continua dizendo que um dia ela vai alcançar aquilo, mas a realidade é que no dia a dia ela não está realmente fazendo nada pra caminhar naquela direção. E por que que ela não está fazendo nada? Porque não é a praia dela. No fundo, mesmo que ela não consiga reconhecer, ela não está disposta a pagar o preço para conseguir aquilo que ela acha que é o seu sonho. Ela não tem disponibilidade íntima para suar sangue, para dar tudo de si pra construir aquela realidade. E ela está errada nisso? Não! Ela não está errada em não querer se esforçar. Ela não quer realmente aquilo. O erro é manter o sonho ilusório. Se a pessoa não quer fazer o que tem que ser feito para construir um determinado sonho, alcançar as metas que aquele sonho envolve, o ideal é abrir mão do sonho.

Se não é pra você, não é sua praia, não é a sua paixão, por que insistir?

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